Uma fábula anormal

Era uma vez uma empresa normal. Não necessariamente medíocre, mas trivial, dessas que não possuem um traço marcante sequer. Como tantas por aí. Atendia às necessidades e aos interesses de seus clientes, também corriqueiros. Nada mais que isso. Pão, pão, queijo, queijo.

Quando a concorrência, composta de empresas similares, oferecia condições comerciais mais vantajosas, os clientes volúveis para lá migravam, mesmo em troca de um desconto de meros 2%. Eles, então, iam e voltavam, de acordo com as vantagens financeiras obtidas de um lado e de outro, garantindo um faturamento normal que tão somente assegurava a sobrevivência. E não há nada mais normal do que apenas sobreviver.

Sobrevivia por ser normal. Fosse medíocre, seria varrida para fora do mercado, que é tolerante com as empresas normais, mas implacável com as medíocres.

Os funcionários que ali trabalhavam também eram normais. Dotados de habilidades e conhecimentos corriqueiros, desses que abundam nos currículos e no mercado de trabalho, permaneciam no emprego enquanto não recebiam propostas mais vantajosas. Migravam, no entanto, quando lhes acenavam com salários ligeiramente superiores, mesmo que em outras empresas normais. E, cambaleantes, seguiam suas carreiras normais mudando de um emprego para o outro, todos também normais, até que chegassem à aposentadoria, e não há nada mais normal do que finalizar os dias de pijama e chinelos.

Tais empresas e pessoas normais geravam, ao seu redor, tanto um mercado como uma economia normal. Nada de especial, além de uma crise ou outra de vez em quando, pois é o que existe de mais normal nesse tipo de ambiente.

Certa vez, a tal empresa resolveu deixar de ser normal. Não queria mais fazer parte daquela manada, composta de clientes e funcionários normais, com produtos e serviços normais vendidos por meio de processos e procedimentos normais. Ansiava fazer parte de outra economia e criar um novo mercado.

Para deixar de ser normal, foi necessário enxergar mais longe. O olhar superficial alcança apenas o que está na superfície, ou seja, o que é normal. Para ir além, aprendeu a ampliar as perspectivas, fenômeno ao qual se dá o nome de metanoia.

A primeira mudança de percepção aconteceu quando, ao examinar o cliente com cuidado, viu que ele queria mais do que apenas ter suas necessidades e interesses atendidos.  Ao vê-lo como especial, ao invés de normal, conseguiu observar também desejos especiais. Descobriu que o cliente estava em busca de algum sentimento ou valor que conversasse com o seu coração. Afinal, compreendeu que, antes de ser cliente em uma transação comercial, ele é um ser humano em uma relação humana.

Por ser único, o cliente anseia ser tratado de forma única e especial, o que não é viável quando se trata de pessoas normais. Pessoas únicas e especiais precisam ser cuidadas por pessoas únicas e especiais. Então, a empresa que se transformava em única passou a preparar a sua equipe de colaboradores para que também fosse única. Isso implicava ir além das habilidades e conhecimentos convencionais e abrir espaço para que eles expressassem seus dons e talentos, sempre únicos.

De repente, uma revolução! Como num passe de mágica, a empresa que deixou de ser normal passou a viver um novo ciclo, não mais aquele da sobrevivência, em que a concorrência banal se digladiava, mas o ciclo da prosperidade, em que reina a abundância. Há lugar, portanto, para todas as empresas que também são únicas, cada uma ao seu jeito e conforme as suas competências e criatividade.

Uma prova de que havia mesmo migrado de um ciclo para o outro estava na constatação de que os clientes não se bandeavam para a concorrência, mesmo diante de um desconto de 20%. Não arredavam pé, continuavam firmes e fieis, pois o que recebiam era mais do que lhes custava. Os colaboradores também não pensavam em saltar de galho em galho por conta das ofertas de empresas normais. Existia orgulho e realização nos trabalhos que faziam e não os seduzia a oferta de meras vantagens financeiras. O trabalho se transformou em fonte de realização e eles nem pensavam em se aposentar.

Ao constatar que subir a um patamar semelhante é possível, outras empresas ambicionaram deixar de ser normais. Algumas, por estarem cansadas de se acotovelar naquele mar sem peixes onde teimavam permanecer. Outras, por uma ambição mais elevada: a de construir uma outra economia em que o trabalho seja realizador e os negócios sejam uma forma de contribuir para o mundo. Essas viverão felizes para sempre!

Espere! Ainda não acabou. Uma fábula é considerada invencionice, algo que não existe. E é o que se passa com as empresas normais que, mesmo vendo o sucesso daquelas que evoluem, insistem em ficar aonde estão, mantendo suas obsoletas crenças intactas. Para elas, fábulas são como utopias ou acidentes: só acontecem com os outros.

Às vezes, o que nos falta é um pouco mais de imaginação e de fé. É para isso que existem fábulas e metáforas. Então, já que recorri à primeira, vou agora lançar mão da segunda.

As ideias são como sementes. A menorzinha delas consegue gerar uma árvore imensa, da mesma forma que é capaz de dar à luz a um empreendimento que, ao longo do tempo, pode se transformar em uma frondosa empresa.

Ao examinar uma semente, assim tão miudinha, é difícil imaginar que nela existe tamanho potencial. Mas, embora seja o ponto primordial de onde tudo começa, para que haja êxito em seu trabalho a semente vai precisar da ajuda da água e do sol.

A ideia, da mesma forma, tem o potencial de uma grande obra. Mas, como a semente, sozinha não dá conta de tal empreitada. Precisa ser regada com fé e conhecimento.

Retornemos, então, ao início: era uma vez uma empresa normal, mas cuja semente encerrava o potencial de gerar uma obra única e viver a sua nobreza. Decidiu cumprir seu destino. Para seu próprio bem, o de todos os seus colaboradores e do entorno. A cidadania agradece!

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