Todos nós possuímos uma bússola moral a nos indicar o certo do errado, mesmo antes de aprender sobre o bem e o mal. É inerente. Mesmo assim, não são poucos os exemplos de incoerência em que incorremos no dia-a-dia. Desde rir de uma piada sem graça, apenas para agradar o interlocutor ou concordar com algo veementemente contrário ao que acreditamos, só para evitar algum conflito ou ainda esconder o defeito no carro que colocamos à venda com a intenção de obter vantagem financeira.
A incoerência, no entanto, manda a conta, na forma de uma tensão desconfortável entre dois seres: o real e o dissimulado.
O ser real alinha seus comportamentos aos seus sentimentos, pensamentos e valores. Para tal, e não é uma escolha fácil, muitas vezes paga o preço de desalinhar-se com tantos outros. Um custo relacional e social, portanto.
O ser dissimulado desalinha, então, comportamentos de seus sentimentos, pensamentos e valores. Faz isso para alinhar-se aos outros e conquistar as benesses dos relacionamentos, ser aceito e tido como boa gente. Incorre, no entanto, num custo moral e psíquico.
Assim como a febre denuncia a infecção que precisa ser tratada para que o organismo retorne ao seu estado saudável, a tensão desconfortável provocada pela incoerência também cumpre o mesmo papel, ao informar que existe um desalinhamento a ser corrigido para a recuperação do bem-estar.
Quando assistimos a lama da corrupção inundando órgãos públicos e privados, duvidamos se esses atores vivem, de fato, a tensão desconfortável resultante da incoerência e se possuem, mesmo, uma bússola moral a orientá-los.
São duas hipóteses distintas. A primeira é a da autojustificativa, uma maneira de atenuar ou aliviar a tensão tanto de sua pessoa como das demais, com a afirmação corriqueira de que “todas agem desse jeito” ou “é assim que as coisas funcionam por aqui” ou, ainda, “entenda a vida como ela é”. Ao justificar-se e aos outros, cria-se um tipo de universo paralelo e fantasioso, um lugar habitável, onde a incoerência possa ser vivida em paz. Claro, uma paz também dissimulada.
A segunda hipótese é a ausência da bússola moral, um defeito de origem, um caso clínico, portanto. São os considerados sociopatas ou psicopatas, a quem se recomenda tratamento médico. Muitos deles estão em presídios comuns, quando deveriam estar em terapia.
A sorte é que a maioria dos seres humanos possui essa bússola moral e é suscetível à tensão desconfortável, sempre que age com incoerência. Está funcionando perfeitamente, portanto. A tensão é necessária para fornecer informação e reconhecê-la oferece a possibilidade de escolha para ser e agir adequadamente. Permite também corrigir e retornar ao ser real, no exercício contínuo e persistente de tornar-se humano. Ainda bem!
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