Logo de saída, ofereço uma pergunta-chave ao leitor de O Devir, meu livro mais recente: “em quem você está se transformando?” Devir não é uma palavra muito usual, mas, atrevidamente, a escolhi como título. Com a clara intenção de que a curiosidade conduza a pessoa ao capcioso questionamento que repito: “em quem você está se transformando?” Afinal, devir é o nosso vir a ser. O curso da permanente transformação de cada um de nós, que só acontece, de fato, dependendo do que é feito no aqui e no agora.
A indagação é necessária quando queremos, verdadeiramente, uma vida que fuja do lugar-comum da pressa, do piloto automático, da futilidade, da superficialidade e da ausência de sentido. Se alguém permanece nesse estado vegetativo, seu devir se restringe a uma existência involuntária, instintiva, bem parecida com a vivenciada por animais não dotados de inteligência e consciência.
Basta examinar agendas para imaginar o devir de algumas pessoas. É só observar a maneira como definem as prioridades, ocupam o tempo, fazem as escolhas. Pense em seu próprio devir como se você fosse um ser que se empenha em conquistar coisas: status, poder, fortuna. Sua agenda vai priorizar os negócios ao invés da família, o trabalho ao invés da saúde, as viagens de trabalho ao invés daquelas de lazer. Para conseguir os almejados aplausos da sociedade, é preciso caprichar em um dia a dia competitivo, que faça do tempo, dinheiro, e das relações, transações. Claro, pois o devir é definido pelo aqui e agora.
Essa perspectiva é exatamente o contrário do que indicam versos de um poema clássico: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios”. Neste caso, o devir é alcançar corações sábios. E o que precisa ser feito aqui e agora para atingir tal fim é abrir espaço para atividades diferentes das encontradas no cotidiano do competidor. A agenda é preenchida com aprendizados, busca de virtudes, construção do caráter, relações nutritivas, contribuição e serviço.
Chronos, na mitologia grega, representa o tempo que devora. Nele, a vida é um massacre, em que tudo o que precisa ser feito não cabe em 24 horas. No fim do dia, do mês e do ano, sempre fica um gosto amargo de tudo o que foi protelado, cancelado e não realizado.
Kairós é o tempo do deleite, do que vale a pena ser vivido. Aqui e agora. Quando o presente é realizador e gratificante, o devir está garantido. Não há o que temer sobre o futuro.
“Carpe diem”, disse Horácio, poeta romano do século I. A sábia recomendação significa aproveite o dia. Com o amplo, revigorante e poderoso sentido de viva plenamente, siga os seus sonhos, assuma o risco. O agora é, continuamente, o seu devir.