A escuridão sempre esteve relacionada ao medo. Na infância, o mesmo quintal onde brincávamos de dia, ficava assustador à noite. E vinha aquele temor difuso, de bichos reais e imaginários. Qualquer ruído era motivo para fantasiar ameaças. As árvores, amigas e abrigos à luz do sol, transformavam-se em imagens fantasmagóricas sob a lua minguante.
Mesmo o quarto em que dormíamos parecia tenebroso depois que os pais apagavam as luzes. E sempre havia alguém que não conseguia dormir a menos que se deixasse um abajur à média luz para evitar a treva.
Não faltavam, claro, os momentos ao redor da fogueira, quando o assunto eram as histórias de terror. Algumas de arrepiar os cabelos e deixar as mãos suadas, da mesma forma que os filmes de suspense, encenados na obscuridade.
A escuridão suscita ameaças, abismos, armadilhas, emboscadas. Uma rua escura é terreno fértil para imaginar a iminente presença de assaltantes, malfeitores, assassinos. Fora as bestas-feras, seres de outros planetas ou dimensões.
No escuro, projetamos todos os medos que nos habitam. Reais ou imaginários. Venha de onde vier, a adrenalina comanda o corpo, o coração palpita mais rápido, o suor escorre, as pernas tremem. O fato é que os medo nunca estão do lado de fora, mas são produtos do nosso cérebro, esse velho aprendiz.
As ameaças inexistentes acionam o medo que já nos foi útil em eras passadas, quando os perigos eram reais. Foi ele que nos tornou quem somos e nos ajudou a sobreviver nos tempos em que sair da caverna era sempre uma aventura sem garantia de retorno.
Agora, o medo diante de um mundo instável não deriva apenas da escuridão que nos desestabiliza. A escuridão é sinônimo e metáfora da ignorância. O que não enxergamos nem compreendemos, mesmo que esteja revelado para nós, continua fazendo parte de nossa ignorância, cujo antídoto é o conhecimento. Ele é como uma luz a dissipar a escuridão.
A escuridão – ou, se preferir, a treva – também é sinônimo e metáfora de inconsciência. Diferentemente do que acontece com a ignorância, sozinho o conhecimento não dá conta do desafio. É preciso algo mais e que está no campo dos valores e das virtudes.
Conhecimentos colocam luzes sobre a escuridão das dúvidas, diminuindo nossas incertezas. Valores e virtudes colocam luzes sobre quem verdadeiramente somos, aumentando nossas convicções.
Diferentemente dos humanos, ratos temem a luz, não a escuridão. A menos que humanos tenham se transformado em ratos, o que não é nada lisonjeiro, pois se aplica a todos os que perderam o senso ético.
É bom continuar temendo o escuro, se isso nos impulsiona a ir de encontro à luz, aumentado o conhecimento e expandindo a consciência. Portanto, vale aprender sempre mais, tanto sobre os conhecimentos que vêm de fora, como sobre os medos que vêm de dentro.
Em frente, sempre em direção à boa luz!