“Eu sou eu e a minha circunstância” é a frase mais conhecida do filósofo espanhol Ortega y Gasset. À primeira vista, há quem a leia com o seguinte sentido: “o que somos” depende “das circunstâncias”. Ou seja, as nossas decisões não precisam ser baseadas na ética, mas é a ética de cada um que se baseia nas decisões que tomam.
Estamos estarrecidos com o desalinhamento ético entre o público e o privado que se infiltrou na alma brasileira. Tememos não estar diante de casos isolados, mas de um padrão de comportamento adotado por um grande número de empresas e de políticos, o fio de uma imensa e nefasta meada. Recentemente, a revista Exame publicou a matéria de capa com o título “como roubar uma empresa”, denunciando que pequenas e grandes fraudes custam às companhias brasileiras quase 10% de seu faturamento.
O que aconteceu com a ética? Por que vemos tanta corrupção? De onde vem o desalinhamento?
Desconsideramos a ética e nos desalinhamos quando agimos de acordo com a nossa conveniência, optamos pelo mais fácil, não pelo correto, escolhemos o atalho e nos desviamos do caminho.
Desconsideramos a ética e nos desalinhamos quando não aceitamos perder e fazemos qualquer coisa – qualquer mesmo! – para garantir a vitória. Tome como exemplo uma convenção de vendas para ver como um tema fundamental é solenemente desconsiderado, pois a pauta contempla plano de metas, estratégias de vendas, negociação – tudo voltado ao crescimento e ao lucro -, mas raramente ética.
Desconsideramos a ética e nos desalinhamos quando acreditamos que pessoas boas sempre se dão mal e que “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Voltemos ao nobre filósofo Ortega y Gasset. A frase completa que ele nos deixou é “eu sou eu e a minha circunstância e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”. Salvar a circunstância é ser responsável tanto pelo entorno como por si mesmo. Esse entorno inclui a política, sem a qual não conseguiremos construir uma sociedade mais ética e justa, embora esteja hoje nas mãos de desalinhados convictos.
A ética possui uma lógica. Os corruptos sabem em quem se encostar. Logo percebem que os íntegros não lhes darão lucros e deles se afastam, procurando seus iguais. Existem aos milhares e é preciso detectá-los e afastá-los. Um corrupto a menos à sua frente ou à frente de seus negócios e de sua vida é um grande ganho. Perde-se muito – tempo, dinheiro e vida – com eles. No extremo, até a própria liberdade, porque o risco de enredar-se em suas tramas cheias manhas e artimanhas é imenso.
A integridade é o fio de outra meada. Sempre vai existir alguém (mesmo em Brasília!) que tem a integridade como filosofia de vida. Quando optamos pela integridade, encontramos quem comungue do mesmo valor. Há muitos, acredite! E desejarão ficar ao nosso lado, preferindo criar vínculos e fazer negócios conosco. E os ganhos mútuos, nessa corrente virtuosa, fazem bem tanto para os negócios como para a consciência.
Ser ético não é um estado circunstancial em nossa existência. Ser ético é ter consciência de nossa maneira de viver a vida, da qualidade de nossas relações, de nosso inabalável contentamento, também conhecido como paz de espírito.