O amor é cego.

Dizem que o amor é cego.

Mas cego é o apego. Faz a gente acreditar que alguém ou algo é necessário para a nossa felicidade. O poder, por exemplo. O apego ao poder deixa qualquer pessoa cega para todas as outras coisas. E inclinada ao delírio. Vê ameaças onde elas não existem. Pois teme perder o que tem. Para assegurar-se de que isso não vai acontecer, precisa de guarda-costas. E se torna incapaz de enxergar (e saborear) a liberdade de viver.

Dizem que o amor é cego.

Mas cega é a felicidade, quando depende do ter. Alguém que seja obstinado pela aquisição, deixa-se de apreciar o gratuito. É como estar diante de uma orquestra, mas só se concentrar no som da bateria. Mesmo sendo mais amplo e cheio de significados, o que não tem preço é considerado sem valor. A felicidade, vendida em prestações, leva à cegueira diante da alegria de viver.

Dizem que o amor é cego.

Cego é quem reduz a sua visão, porque fica refém de determinada crença. Imagine alguém que acredite na eutanásia ou na pena de morte. Vai ler com satisfação qualquer matéria de jornal que defenda sua crença. Mas não conseguirá seguir adiante das primeiras linhas, quando a abordagem for oposta. Continuará cego para outras possibilidades, preso a uma crença cristalizada.

Dizem que o amor é cego.

Cego é o medo. Pois se você soubesse que seria levado à forca na próxima semana, sua mente se concentraria apenas nisso, excluindo todo o resto. O problema do medo é esse: torna você cego para todas as outras coisas. Ou, para ser menos drástico, imagine que você vai a um concerto na Sala São Paulo e, de repente, você é invadido pela hipótese que não fechou o seu carro e o seu notebook está no porta-malas. E o concerto já começou e você não consegue se retirar nesse momento para averiguar. Você vai conseguir curtir o espetáculo?

 

Dizem que o amor é cego.

Mas quando você olha para a vida, são os seus apegos, felicidades, crenças e medos que determinam a sua realidade – reduzindo seu tamanho ou suas possibilidades. Quanto mais se vive em função de versões deformadas, maior se torna a cegueira.

Só o amor, portanto, enxerga longe.

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Carla Xavier Pardini
Carla Xavier Pardini
10 anos atrás

Bom dia
Prezado Roberto sempre espero receber seu e-mail para ler os textos que me fazem tão bem. Porém, especialmente o de hoje me fez parar para refletir, para pensar… Confesso que a cada linha me remeti a situações profissionais e pessoais que passei, e as profissionais que passo. E valeu muito. Entender que existem alternativas, outras perspectivas trazem calma à alma. Realmente muito obrigada.
Um forte abraço
Carla

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