“Não seja ingênuo!”, disse o pai ao filho, com o tom incisivo de um xingamento. O menino, acabrunhado, encolheu-se, quase disposto a esconder a cabeça debaixo da terra. Decerto sentindo-se ínfimo aos olhos do pai, irado e frustrado. Indiferente à prostração e constrangimento do filho, o pai repetiu a crítica, ainda mais contundente: “você não acha que já está na hora de deixar de ser ingênuo? ”.
Não sei ao certo qual foi o fato que gerou tamanha fúria pois consegui captar apenas o final do que me pareceu ser um diálogo, pois o menino ensimesmou-se. Talvez – e daqui para a frente é minha imaginação – nem sequer soubesse se havia, mesmo, cometido algum erro, ou pudesse entender o que a sua ingenuidade tinha a ver com a frustração do pai.
Em minhas elucubrações, pensei o quanto é duro perder a ingenuidade e porque ser ingênuo é considerado algo negativo. O que foi feito de nós?
Lido com adultos nada ingênuos. Ao contrário, são matreiros e maliciosos. Jogam verde para colher maduro. Aliás, estão sempre jogando. Suas cartadas são políticas, dissimuladas ou manipuladoras, tentando levar os outros para algum lugar que desconhecem, ou querendo ganhar alguma coisa, sem que isso seja declarado. Jogam consigo, jogam com os outros, jogam com a vida. Perderam completamente a ingenuidade.
O pior, para esses não-ingênuos, é que projetam nos outros aquilo que são. Acham que sempre existe uma mensagem subliminar, nas entrelinhas, uma carta na manga que será sacada a qualquer momento, alguém vai lhes passar a perna, na certeza de que um discurso bonito tem segundas intenções. Acreditam que o interlocutor não quer ajudar, mas sim vender algo e arrancar o seu dinheiro.
O esperto, antônimo do ingênuo nessa abordagem, está a um passo do cínico, a figura humana que atingiu o seu grau mais deplorável.
Quem perde a ingenuidade perde também a confiança nos outros. Transforma a sua vida em um inferno, pois esse é nome do lugar onde ninguém confia em ninguém.
Quem mantém a ingenuidade, ainda que sofra algumas decepções e traições, garante que a sua criança interior continue viva. É justamente ela que vai socorrer você todas as vezes que o mórbido, seja na forma de esperto ou de cínico, apareça, sorrateiro, disposto a cruzar o seu caminho. Celebre e cultive sua ingenuidade, sem receio de parecer vulnerável. É um traço precioso!
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