Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá. Mas ultimamente ele parece que não tem cantado, não. Ou se tem, seu som tornou-se inaudível, tamanho é o barulho das ruas. O ruido é tanto e tão perturbador que ninguém mais presta atenção no sabiá.
Nas ruas, o canto é outro. É de vôos diferentes. São vibratos desencontrados. Dissonantes. Poucos, raríssimos são uníssonos. Mas todos os pássaros têm direito a seus trinados, mesmo que as intenções não sejam semelhantes nem a partir de compreensões similares. Misturam-se o som estridente da araponga com o lamento cansado do assum preto. De um lado, os cegos de um olho. De outro, os cegos dos dois. Se ninguém tem o quadro completo, resta deduzir o todo pela pequena parcela. Sempre uma simplificação defeituosa e arriscada.
Assim somos nós. Com a equivocada mania de simplificar, algo muito diferente de ser simples. É assim com tudo: na família, na empresa e não poderia ser diferente quando se trata do próprio país. Duvida? A física quântica ensina que enxergamos apenas 6% da realidade. O resto preenchemos com base nesses 6%. Somos todos elucubradores.
Mas nem tudo o que brada, brame, bradeja, proclama, estrondeia, ruge e rui é o barulho principal. Alguns sons chamam atenção pela baderna que sugerem, mas podem não ser os mais importantes. Todos ouvem o barulho do carvalho que cai, mas ninguém escuta o som da floresta nascendo e crescendo. Outros cantos podem estar se formando. Sons menos esganiçados podem estar preparando a bela música. Algo de bom pode estar sendo gestado. Mas, notar isso, implica preparar-se para escutar a melhor melodia. Ou seja: apurar os ouvidos.
A boa música não está no ilusório. Uma de nossas maiores ilusões é acreditar que o que vemos é o mundo real. Podemos enxergar uma imagem em um dia e novamente em outro, embora ela já não seja mais a mesma. O desenho mantém os contornos anteriores, mas tudo muda de figura, a depender do significado. São os significados que mudam o mundo, portanto, pois são eles que ampliam a nossa compreensão.
A boa música também não está no julgamento. Quando isso acontece, restringimos a imagem aos contornos do julgamento. É muito difícil enxergar além da moldura dos preconceitos. Ao agir assim, cristalizamos a imagem, por acreditar que ela é toda a verdade, ignorando o contexto onde a tela está dependurada.
Nosso modo de pensar cria limites e oportunidades. Afeta até nossa saúde, nossos relacionamentos, negócios e a própria cidadania.
Precisamos recuperar, em nós, o ser humano cordial. Ele sabe que o ódio nada constrói. Cordial é quem sabe falar e agir com o coração. E que, embora, não obstante e apesar de tudo, tem ouvidos capazes de captar o livre, belo e inspirador canto do sabiá.