MITOTE

Desconhecia a palavra. Deparei-me com ela ao ler um artigo da escritora Giovana Madalosso. Embora não seja usual, o que ela expressa é bem íntimo de todos nós. Sabe aquelas vozinhas que ficam rondando nossos ouvidos, ora nos ameaçando, ora nos incentivando?

De origem da cultura pré-colombiana tolteca, mitote designa esse conjunto de vozes às vezes perturbador e estridente, às vezes animador e eloquente.

Por vezes, as vozes combinam entre si para criar espirais crescentes de pensamentos negativos: “você não pode”, “deixa disso”, “você vai arranjar encrencas”, “isso não vai dar em nada”, “melhor é ficar no seu lugar”, “você vai arranjar sarna para se coçar”, “isso não é para você”, “desista!”.

Quem já não as escutou, tão desalentadoras, com o seu poder paralisante e de nos deixar no limbo como se dissessem “aí é o seu lugar?”

Se trocam de lado, do negativismo exacerbado para o otimismo infundado, não significa que houve avanços. Os diálogos fantasiosos à parte da realidade em nada ajudam.

Eventualmente, encontramos nas ruas pessoas falando sozinhas. Acredite, é mitote. Elas estão conversando com suas vozes interiores. Talvez a diferença entre a insanidade delas e a nossa aparente sanidade é que ainda não chegamos ao ponto de expressar verbal e externamente os nossos diálogos internos, mas a tagarelice está lá, da mesma forma, fantasiando realidades, distorcendo fatos, inventando modas.

Quando as vozes internas prevalecem sobre a realidade externa, estamos diante de um problema. Vemos mensagens chegando via correio eletrônico ou WhatsApp e, a depender do remetente, começamos a imaginar os assuntos ainda sem saber ao certo o teor das missivas. Ou somos convocados para uma reunião na empresa e já nos adiantamos a criar os diálogos e conflitos que podem acontecer. Sem falar no toque do telefone em altas horas da noite, quando inevitavelmente, pensamos ser algo muito grave.

Acontece que antes das vozes exteriores se expressarem, as vozes interiores rapidamente se intrometem buscando informações sabe-se lá onde.

O “sabe-se lá onde”, no entanto, é o ponto-chave se quisermos apaziguar nossas vozes interiores. Afinal, de onde vêm nossos pensamentos? Dependem das nossas percepções, as quais, por sua vez, derivam do que acreditamos e tomamos como verdadeiro. O “sabe-se lá onde” de cada um de nós é a nossa realidade interior, nem sempre correspondente à verdadeira realidade. O gap entre uma e outra é a razão das nossas crises nas várias esferas da vida.

As nossas buscas recolhem os elementos que compõem as nossas percepções e crenças, portanto, da nossa realidade. Das boas fontes jorram boas águas e as boas águas irrigam bons pensamentos e diálogos internos saudáveis.

Se nada disso apaziguar a profusão de vozes causadoras da confusão mental, sugiro a fórmula simples ensinada pela minha avó, ou seja, joelhos no chão. Pratique e comprove. Não há mitote que resista.

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