A musa e a algoz.

Artigo publicado na Revista Empreendedor

Mar/2015

 

Está por todos os cantos, nos becos e botecos, no breu das tocas e suspirando pelas alcovas, como alertam os versos da canção. É a crise.

Um empresário do interior do estado de São Paulo me disse que tomou todas as providências. Demitiu pessoas, reduziu despesas, alertou e alarmou os que ficaram, todos à espera, como os tártaros na batalha que nunca ocorreu. Só que, no caso dele, a crise é certa! Ele não apenas se preparou para a crise; ele preparou a crise.

Então, existem duas opções: preparar a crise ou preparar-se para a crise. Na primeira, a crise é a algoz; na segunda, musa inspiradora.

Da crise como algoz, não vou me ocupar. A mídia e os economistas de plantão estão cumprindo muito bem o seu papel. Vou me ater à segunda opção: a crise como musa inspiradora.

A alma da equipe

Esta costuma ser dilacerada em tempo de crise. Quando mais precisa de alento e encorajamento, é baqueada pela ameaça e pelo medo. Acuada, no momento em que é fundamental que atue, muito pouco consegue oferecer na forma de boas ideias e respostas criativas aos problemas e desafios.

A crise não é a guerra; é, tão somente, a batalha que precisa ser vencida. Não é o fim da história, é um capítulo da grande trama. Não é o apocalipse; é um tsunami que vem para restabelecer o equilíbrio. Não é o fim do mundo; é a tentativa de oferecer um novo começo. Portanto, muito cuidado para não arrancar a pata da vaca na tentativa de extrair o carrapato. Permita que o discernimento e a serenidade ocupem espaço nesse tempo de turbulência.

A crise pode ser a oportunidade que faltava para a equipe soltar os seus talentos, aflorar as competências, vencer os bloqueios cerceadores da criatividade, como acontece quando uma enchente invade os estoques ou um incêndio devasta o galpão. Quem já viveu situações drásticas sabe o quanto a equipe responde com iniciativa e autonomia, assertividade e comprometimento, livre que está das amarras do comando e do controle.

Não se espante, mas uma grande crise é melhor do que a sucessão de pequenas crises. Em dois sentidos: acostuma-se e acomoda-se às pequenas crises; já as grandes clamam por mudanças e rupturas, algumas proteladas há anos, embora necessárias e imprescindíveis. Considere também que é muito mais fácil empolgar as pessoas com mudanças significativas do que com melhorias incrementais.

Se assim for, a crise contará a favor e vai demorar o tempo que você (e não o mercado) achar necessário. 

Achados e perdidos

Crises são oportunidades para perder o que já devia ter sido perdido e encontrar o que já devia ter sido encontrado. Explico.

Em tempos de normalidade, tudo é tolerável: o cliente, o fornecedor, o funcionário, o produto, o processo. A complacência passa a ser o estilo da liderança, embora possa receber os nomes enganosos de paciência e tolerância. Vícios se confundem com virtudes. Numa situação de anormalidade e desconforto, o quem é quem torna-se mais evidente. Nem tudo o que reluz é ouro, como diz o ditado, e nem todo ouro reluz em situações de crise. É hora dos achados e perdidos: perder o ilusório e encontrar a lucidez.

Um dos bons efeitos da crise é baixar o nível da água para que possamos enxergar o que está mais ao fundo. A superfície nem sempre representa as profundezas.

Aquele bom cliente, gerador de fluxo de caixa, é causador de prejuízos, quando se vai mais a fundo. E o tempo que se dedica a ele não permite que haja espaço para atender outro, mais parceiro e lucrativo.

Aquele líder considerado o salvador da lavoura, e que parece um Apolo a carregar sobre os ombros todos os problemas do seu setor ou da empresa, não passa de um empecilho ao desenvolvimento dos outros, impedindo o surgimento do espírito de equipe.

Aquele fornecedor que aparentemente é parceiro está acomodado em sua confortável situação convencional, sem nenhuma contribuição inovadora ao negócio.

Aquele funcionário que se faz de comprometido está empenhado apenas em assegurar o seu cargo, evitando a todo custo que outros avancem e que o negócio evolua.

Crises são reveladoras!

O sentido das velas

Ventos desfavoráveis mudam o sentido das velas. Não fossem eles, todos ficariam no convés com suas conversas fiadas ou fazendo seus joguinhos (e aqui não se trata de metáfora: há mesmo quem se ocupe com joguinhos de smartfones enquanto o circo pega fogo!).

Em tempo de ventos favoráveis relaxa-se na comunicação, na frequência de encontros, na busca de respostas criativas, no aperfeiçoamento da liderança, no desenvolvimento da equipe.

Nas crises, a formalidade é eliminada e a comunicação impera, no seu modo mais natural. Aliás, tudo passa a funcionar do jeito que sempre deveria ter sido: a comunicação, o ajuste de percepção, o cuidado nas decisões, a agilidade nas implementações, a parcimônia com os resultados.

É muito difícil continuar navegando a esmo em tempos de crise. O naufrágio é certo! É necessária atenção, muita atenção, principalmente ao que é essencial para o negócio. O essencial que jamais devia ter sido esquecido.

Nuvem negra

Nuvem negra! Aposto que você também conhece uma. Ou muitas! São aquelas pessoas para baixo. Reclamam de tudo; para elas a vida parou.

Nuvem negra é o ser humano à espera de que o mundo acabe em barranco, para morrer encostado. Não alimenta sonhos, não acredita em utopias, não se compromete com nada nem abraça causas. Faz da crise uma tragédia. Largou a esperança em algum lugar e o que lhe resta é resmungar e escurecer o ambiente por onde passa. Espalha tristeza e irritação.

Não perder o humor jamais, esse é o grande mérito dos grandes líderes e das pessoas iluminadas. E é essa luz a energia fundamental para enfrentar a crise com dignidade.

Agora é com você!

Sim, a decisão é sua. A crise pode ser seu algoz ou sua musa. Você não pode controlar o mercado e as suas oscilações. Mas a escolha entre as duas opções está ao seu inteiro alcance. E, quiçá, possa dizer, ao final, com sentimento de orgulho: bendita crise!


Vamos conversar?