A crise de fora e a crise de dentro

Artigo publicado na Revista Empreendedor
Setembro/2015

 

A crise de fora é a que está ao alcance de seus olhos e ouvidos. Basta ligar o rádio ou a TV ou acessar algum noticiário, impresso ou virtual, que você vai se inteirar dos mandos e desmandos da economia. E o que captará é aquele discurso bem conhecido, de tão velho e surrado. Se você tivesse gravado as declarações do ex-ministro Delfim Neto, em décadas passadas, veria que não existe nenhuma diferença das atuais. O déficit das contas públicas, os gastos do governo, a necessidade de ajuste fiscal, a ameaça da inflação etc. Vale o mesmo para os economistas Maílson da Nobrega e Luiz Gonzaga Belluzzo. Só para citar alguns.

Não importa se a linha filosófica é da PUC ou da FGV do Rio de Janeiro, da USP ou da Unicamp. Pouco importa, também, se a abordagem for mais ou menos neoliberal ou keynesiana, a fórmula é clássica e ortodoxa: diminuem-se os gastos públicos para conter a ameaça da inflação. Ao contrair os gastos, reduz-se o nível de atividade da economia: cai o consumo, a renda e o emprego. Enquanto isso, a moeda brasileira perde o valor diante de algumas estrangeiras e os preços dos importados se elevam muito, enquanto acontece o contrário com as exportações.

O custo de conter a inflação é o desaquecimento da economia que, em dose mais elevada, gera a depressão. Mas, antes disso, o governo tem mecanismos de política monetária, fiscal e cambial para monitorar o ambiente econômico e mantê-lo em um patamar suportável, na busca do equilíbrio entre ofertas e demandas agregadas.

Algo que você desconhecia? Penso que não. Fazem parte desse modelo econômico os altos e baixos do mercado. E, a menos que você esteja entrando nele agora, já passou por essas e outras tantas e boas. O que nos resta como consolo é que as crises de fora são para todos. Delas, ninguém está isento ou sai ileso.

Pois se a crise de fora é uma variável ceteris paribus, termo que os economistas usam para dar nome a uma variável que se mantém fixa (esquisito isso de variável fixa, mas é assim que esses profissionais, também um tanto esquisitos, denominam algo que se mantém constante), resta-nos atuar sobre a variável sobre a qual exercemos influência. E só temos influência sobre a crise de dentro.

Próximo é distante

A crise de dentro, por incrível que pareça, não está tão visível aos nossos olhos quanto a de fora. Diz-se que o líder conhece apenas 4% dos problemas da sua empresa. Os líderes intermediários percebem um pouco mais e a maior parte é notada e sentida por quem está mais próximo dos problemas, como o operário na linha de produção ou o atendente no balcão. Ou seja, as pessoas que ficam onde as coisas acontecem efetivamente.

A crise de dentro se manifesta via desatenção, desinteresse e desamor pelo cliente e pelo trabalho. Quando algum desses “d’s” fatídicos estão presentes, a crise também viceja. Claro, pois nenhum cliente aceita a negligência do balconista que, enquanto atende, conversa ao celular. Ou que coloca a fofoca em dia com o seu colega, sem dar a mínima às necessidades de quem compra. Ou que pouco escuta ou se interessa. E que acrescenta ao preço de venda de determinado produto ou serviço os custos não contabilizados do aborrecimento pela espera ou informação errada ou omitida. E que nem se dá ao trabalho de olhar nos olhos do cliente e de chamá-lo pelo nome. Passa, claramente, o nefasto recado subliminar: “não estou nem aí com você”.

A esse triste conjunto de absurdos, o cliente ainda tem de acrescentar um vasto arsenal de “nãos”: não trocamos mercadorias, não aceitamos reclamações, portanto confiram o que estão comprando, não trocamos aos sábados, não insista, por favor!, não nos responsabilizamos por danos em seu veículo, não aceitamos cheques nem cartões, pagamento só a dinheiro.

 

A crise de dentro se dá e se expande  quando o cliente se sente frustrado e desconfiado diante de tantas experiências mal sucedidas: as longas esperas nas ligações para o SAC de uma empresa, a falta de educação de profissionais mal treinados, os produtos fora dos combinados. Falha, da mesma forma, o operador de fábrica quando está ciente de que determinado  produto expedido para o cliente vai retornar, pois não está de acordo com as especificações solicitadas, gerando retrabalhos perfeitamente evitáveis. Claro, pois o pensamento subliminar é do tipo do “vai assim mesmo”.

 

As crises de dentro são inúmeras e independem da crise de fora. É só examinar o histórico para constatar que já estavam aí, apenas ficou mais difícil financiá-las em tempos de vacas magras.

Mergulho mais consistente

Indo mais fundo no interior da crise de dentro, vamos nos deparar com a crise de liderança, aquela que, em tempos de turbulências, troca os pés pelas mãos. Ou seja, em lugar de lançar desafios, investe nos desacatos.  Ao invés de fazer do limão uma limonada, buscando a superação com a equipe, prefere ameaçar e assustar os colaboradores, aproveitando-se da fragilidade destes e dos efeitos maléficos da crise. Tal atitude só faz ampliar ainda mais a crise de dentro que, somada à crise de fora, acaba produzindo um maremoto, quando se agisse direito o problema se resumiria a uma marola passageira.

Desde que os alarmes sobre a crise foram disparados, muitos líderes corresponderam uníssonos, acentuando ainda mais a crise. Ironicamente, hoje pagam o preço de sua contribuição para aumentar o tamanho do impasse. Deram um tiro no próprio pé. E não falo em teoria. No primeiro semestre deste ano, cansei de constatar crises de dentro antecipando-se à crise de fora. Em algumas situações, a crise de fora sequer apresentou as suas garras até o presente momento, mas as crises de dentro continuam corroendo o corpo, a mente e a alma da empresa. Ainda assim, muitos líderes continuam decididos a adotar ações anticrise, promovendo a crise de dentro enquanto a de fora não chega.

O mais próximo é ainda o mais distante

Nada existe de mais próximo do que a consciência. Porém, ao mesmo tempo, é distante. Próximo, pois todos nós a temos internamente e segue conosco para onde vamos. Distante, pois nem sempre conseguimos acessá-la devidamente.

Então, só existe mesmo a crise de consciência. Toda crise é proveniente de uma inversão de valores, os que habitam a nossa consciência. Se pararmos para pensar, veremos que a crise se instala quando a discórdia toma o lugar da união. Quando não existe mais um projeto comum e cada um tenta salvar a própria pele. Quando a dúvida ocupa o lugar da fé e a mentira se sobrepõe à verdade. Quando a desesperança sufoca a esperança e a alegria cede espaço à angústia.

Crise que é crise é e sempre será de consciência, quando as virtudes estão em desvantagem em relação aos vícios. A escuridão toma o lugar da luz. E, sem luz, não há brilho, não há ideias, não há imaginação capaz de se sobrepor à ilusão da crise.

Crise é quando o medo supera o amor. Isso vale tanto para crise de fora, como para a crise de dentro. Pela crise de fora, melhor não se deixar levar. Pela crise de dentro, melhor assumir a responsabilidade e trabalhar com afinco para que seja possível – e, acredite, é! – alcançar resultados positivos, evitando os prejuízos causados pela ausência de uma consciência próspera, como próspera é a natureza da própria natureza.

 

 


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