Lembro-me do boom dos programas de qualidade na década de 1990. Autores como Deming, Crosby, Juran dominaram o management da época e as empresas corriam atrás das certificações ISO, a começar pela 9000, seguida de tantas outras. Algumas por exigência de seus clientes, outras porque, afinal, era isso que todas estavam fazendo. Como ficar de fora?
Nadar a favor da maré pode parecer uma boa ideia, mas nem sempre é e, certamente, não para todos. Lembro-me de empresas burocratizando e enrijecendo suas operações, sem que os clientes pagassem por isso. Muitas trabalhavam mais para se ajustar às exigências dos auditores da ISO do que às necessidades dos clientes.
Claro, havia quem indicasse cuidado ao surfar na onda. Tom Peters, de outra escola, a da excelência, dizia que algumas empresas estavam certificando paraquedas de cimento – perfeito na produção, porém sem nenhuma serventia. Deu no que deu. Mais tarde, muitas empresas despertaram e aliviaram-se das burocracias desnecessárias. Mas já haviam gasto um bom dinheiro com o canto dos galos.
Agora, vivemos o boom do atendimento eletrônico, desse que o leitor certamente já deve ter sido vítima. Você liga para o “atendimento ao cliente” e a gravação pede que você o faça por WhatsApp. Lá você diz o que deseja e o robô responde com duas alternativas que não representam a sua demanda. Você repete o que deseja, mas é impossível conversar com um robô. Ele insiste nas duas alternativas que não correspondem à sua demanda. Não há jeito de escapar do diálogo neurótico – a neura não é do robô, evidentemente, mas de quem teima a insistir, achando que em algum momento o robô irá ceder. Ao desistir do atendimento, o robô ainda pede uma avaliação sobre a qualidade do atendimento. De 1 a 5, falta a alternativa impronunciável.
Com a velha mania de ouvir o galo cantar sabe-se lá aonde, muitas empresas têm mordido isca semelhante à dos programas de qualidade. Empresas com milhares de clientes têm feito uso desse recurso tecnológico impessoal. Insano é verificar que, com centenas ou apenas dezenas de clientes, muitas sucumbem à armadilha do atendimento impessoal e nada humano.
Em um desses casos, passei quatro dias trocando mensagens pelo WhatsApp para fazer uma reserva. Sem conseguir o que queria, pedi que me atendessem por telefone. Em dois minutos, entre seres humanos, resolvemos o impasse.
Capital Relacional é, também, fazer uso inteligente da tecnologia, sem encantar-se com o próximo canto do galo. Embora sedutor, é desnecessário. E, pior, contraproducente.