Por partes. Cognição tem a ver com o nosso processo de aprendizagem e de como adquirimos conhecimento. Inclui tanto o uso das nossas capacidades intelectuais e emocionais como a de expandi-las enquanto aprendemos. Dissonância é quando algo está fora da ordem nesse processo.
Dissonância cognitiva, portanto, consiste em uma desarmonia ou incoerência entre os próprios valores e aquilo que se pensa, sente ou faz. O alinhamento entre tais esferas – pensar/sentir/fazer e os valores pessoais – nos conduz à ordem natural. Ao contrário, estamos fora da ordem quando a coerência é ameaçada, embaçando as lentes através das quais vemos o mundo. Como resultado, a dissonância cognitiva nos faz criar uma realidade paralela habitada por ameaças imaginárias.
Decisões tomadas na ordem natural surtem efeitos positivos e contam com o milagre da serendipidade. Decisões tomadas fora da ordem geralmente causam arrependimentos.
Está lançado o desafio: vamos nos manter na ordem natural o maior tempo possível, principalmente quando necessitamos de discernimento para decisões cruciais. Mas eis, então, a pergunta que não quer calar: como lidar com a dissonância cognitiva que sempre nos aflige?
Podemos, sim, ao menos dribrá-la se conseguirmos evitar uma armadilha muito comum. Tratemos, antes, de reconhecer como a arapuca é armada.
Quando uma crença é jogada por terra, ou seja, quando a profecia falha, tendemos a racionalizar o fracasso, buscando elementos que sustentam a crença equivocada ou subterfúgios e narrativas tanto para amenizar a dor do equívoco quanto para evitar o sentimento de desamparo ou derrota. A armadilha da dissonância cognitiva está em recorrer ao que fortalece o equívoco, dando sobrevida à profecia e, com isso, distanciar-se bastante do que é verdadeiro. Cada vez mais, o que a gente prega, pensa, sente e faz vai se desalinhando, de maneira a provocar o desconforto psicológico típico da incoerência. E que, assim, vai se acentuando.
Depois de colecionar equívocos e fracassos é de se esperar que algo seja feito para mudar o curso. Espantosamente, nem sempre é o que ocorre. O absurdo da dissonância cognitiva está em continuar insistindo, em busca de um alívio imediato e enganoso.
A armadilha maior da dissonância cognitiva é quando ela se torna coletiva. A crença individual equivocada é menos perniciosa do que a crença coletiva equivocada. Compor uma facção à parte da sociedade, da qual o conjunto de crenças e profecias é compartilhado e retroalimentado por mais gente, fortalece a mentalidade de rebanho, causando prejuízos a todos sem que eles, conscientemente, se deem conta disso. Um tipo de transe coletivo em que todos perdem, mas do qual não conseguem se desvencilhar, a menos que o discernimento e a humildade ocupem o seu lugar, fazendo com que a bolha fure e novos ares possam ser respirados.
A economia considerada normal é um tipo de dissonância cognitiva coletiva. O retorno aos valores é a conversão necessária para retomar o estado de espírito apropriado para uma vida com leveza, firmeza, disposição e fé. Um retorno ao natural. Uma economia ao natural. É o que merecemos! Nada, nada mesmo, menos.
É disso que trato no meu mais recente livro Pedaços de Brasil que dão certo. Lá discorro sobre vinte empresas que aprenderam a lidar com a dissonância cognitiva. Vale conferir!