Entre mortos e vivos

Foi o que vi.

 

Eram cinco na televisão, numa roda de debates. O assunto só podia ser aquele. Em tempos bicudos, assuntos bicudos. A crise. Lá estava ela no centro do debate. Ao redor dela, os entendidos: economistas, jornalistas, analistas. E a abordagem não poderia ser mais apocalíptica. O anúncio de um triste fim ou um tipo de tristeza sem fim, que é bem pior.

 

Tratei de pensar.

 

Discutiam a queda do PIB, aquele que mede um punhado de produtos e serviços produzidos em determinado espaço de tempo. Como se fosse, de fato, o que existe de mais importante. Mede tudo, só não mede o essencial. O PIB não leva em consideração a inteligência, a ousadia e a criatividade da população. Aliás, se deixarmos para a macroeconomia, população só serve para entrar de denominador na conta da renda per capita. Ou seja, os indicadores macroeconômicos medem o inerte, não o que vibra e pulsa. Não medem a vida. Muito menos suas possibilidades. Preferem se ater às probabilidades.

 

Era ao redor da crise e do morto que os especialistas se concentravam.

 

Tratei de lembrar.

 

Talvez algum jovem nascido na década passada não tenha visto e ouvido sobre a crise, da maneira como está sendo posta. É possível que se preocupe. Como vivi uma série delas, das mais ortodoxas às mais heterodoxas, nem me dei ao trabalho de mudar a posição na poltrona. Ao recordar, me dei conta do quanto elas nem ajudaram nem atrapalharam minha trajetória. Se cheguei até aqui, altos e baixos foram todos por minha conta. O PIB subiu e desceu, bem como os juros e o câmbio, em suas idas e voltas. Mas os lucros e os prejuízos foram todos por minha conta.

 

O cenário econômico foi como o de uma peça encenada com ele, sem ele, apesar dele. Seus dramas e tramas se desenrolaram independentemente do cenário. Um pouco menos de luz, um pouco mais de cor, nada mais.

 

Tratei de insistir.

 

Os entendidos de crises e de mortos continuaram suas incelências. Mas uma e outra rodada, notei que eles não se ocupariam da vida. O tema do debate era outro.  Preferiam velar os mortos.

 

Desisti.

 

Tinha algo muito melhor a fazer. Fui à estante e peguei um livro de poesias. 

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