“As pessoas são insubstituíveis. ” Você já deve ter ouvido essa frase. Serão, mesmo? É só visitar o cemitério para nos dar conta dos que se foram e do quanto a vida segue seu rumo e ritmo. As estações continuam, entre primaveras, verões, outonos, invernos e o sol continua nascendo para os bons e para os maus.
Alguns dos que já se foram, enquanto aqui estiveram, sentiam-se não somente insubstituíveis, como também onipotentes. Como aquele personagem, o Chantecler, da história contada por Edmond Rostand no clássico Cyrano de Bergerac. Chantecler é um galo que despertava todas as madrugadas e cantava a plenos pulmões para acordar o sol. Meia hora depois de tamanho esforço, o astro brilhante despontava no horizonte para a alegria de todos.
Chantecler acreditava piamente no sucesso do que considerava sua missão. Dizia, com orgulho, “sou eu que faço o sol nascer”. E não estava sozinho nessa crença inabalável. Submissos, os outros animais da fazenda o admiravam e respeitavam, certos de que seu canto realmente garantia o surgimento da luz fundamental para a vida. Imprescindivel a todos.
Em algum momento da história, Chantecler se aborrece com os outros galos. Nenhum cantava ou aprendera a cantar como ele. O fardo permaneceu em suas costas como um feitiço que se voltava contra o feiticeiro. Uma vez ou outra ele tentava ensinar uns eleitos a fazer como ele, mas nada dava certo! Ninguém chegava a seu bico! Chantecler não acreditava que outros seriam capazes de fazer o sol nascer.
Mas certa vez, depois de uma noite mal dormida, o galo orgulhoso perdeu a hora. Para espanto de todos e desespero do próprio Chantecler, lá estava o sol brilhando garboso, independente da cantoria madrugadora.
Com base nessa história de Rostand, a psicanálise cunhou o termo “Complexo de Chantecler”, também conhecido como “Complexo de Deus”, para caracterizar pessoas que, embriagadas por suas vitórias e competências, acreditam que o mundo se movimenta graças aos seus talentos.
Pois bem! Quer gostemos ou não, somos todos substituíveis. Que isso não abale o narciso que mora em cada um de nós. Mas, para nosso consolo, podemos nos tornar imprescindíveis. Alguém que vai passar, como tantos outros, porém deixando significativas pegadas. É o que faz diferença, conta uma história, entrega um legado.
Torna-se imprescindível quem sabe o canto essencial. Não para despertar o sol, pois ele nasce por si mesmo, mas para acolher, cuidar, contribuir, com despojamento e dedicação. Quem sabe ouvir e entoar a melodia fundamental, em reverência e gratidão à luz que surge diariamente no horizonte para todos.