“Melhor só do que bem acompanhado”, dizia com fino humor Millôr Fernandes. Para os mais jovens, que talvez não o conheçam, Milton Viola Fernandes foi desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, poeta, tradutor e jornalista. Fazia jus à própria frase, gostava mesmo de ficar só e, uma vez ou outra, até admitia ficar bem acompanhado.
Lendo o que falou, sem conhecer o autor, pode parecer que ele estivesse incentivando a reclusão, a misoginia ou o comportamento antissocial. Não era o caso dele, que passava longe da solidão e seus fantasmas, algo que devemos evitar em prol da saúde psíquica e mental. Embora sem citá-la, o genial artista brasileiro se referia a uma outra palavra que, embora vagamente similar, tem significado muito mais profundo e amplo. Aliás, é uma daquelas palavras charmosas e exclusivas da nossa bela língua: solitude.
A solidão é insuportável para a maioria de nós. Caminha ao lado de dois outros sentimentos pelos quais nenhum de nós tem apreço: a rejeição e o abandono. Para suportar a solidão, é preciso sair, encontrar pessoas, misturar-se à multidão. Existe, porém, o risco de preencher o vazio com fugas, tais como submeter-se a entretenimentos vazios de conteúdo, perambular a esmo na internet ou compensar a dor e a tristeza com drogas lícitas ou ilícitas. Outra alternativa é assumi-la, na forma de depressão.
Nem é preciso dizer que nada disso é saudável e só faz aumentar ainda mais o sofrimento.
Solitude, no sentido mais amplo, é um estado de recolhimento positivo e necessário. No meio da multidão nos diluímos. Temos de nos recompor em um tempo e espaço silencioso, sem distrações, porque nossa melhor companhia somos nós mesmos.
Não se trata de renunciar à vida e a seus prazeres, mas de recarregar as baterias buscando a alegria e a paz dentro de nós, para oferecê-las aos outros com generosidade.
Depois que nos acostumamos com ela, a solitude passa a ser a nossa melhor companheira, um estado de espírito a que podemos recorrer sempre que as turbulências da vida insistem em nos tirar do eixo.
Solitude é um retorno ao eixo, ao centro vital, à nossa própria essência. É uma atitude de reencontro com o que há de melhor em nós, sem nunca perder de vista o nosso ponto de partida.
É possível imaginar o quanto o isolamento, por conta da pandemia, foi duro com algumas pessoas, colocando-as involuntariamente no estado que mais tentam evitar: a solidão. Sorte daqueles que – do limão a uma limonada – souberam transformá-la em solitude, colhendo todos os seus benefícios.
Ainda há tempo! Mergulhe no sentido que a bela palavra suscita e viva intensamente o que tem de mais virtuoso em si!
Artigo espetacular. Parabéns, Roberto; brilhante como sempre.