O desejo é a matéria-prima do propósito, está lá no livro O velho e o menino. Junto, porém, com o alerta: desejo não pode ser confundido com carência. Carência representa o que falta, não o que farta. É o que ensina o Velho Taful a seu aprendiz.
A ganância, uma carência em estado avançado, é o impulso de adquirir tudo o que você deseja, mas na verdade carece. E, antes que tente se esquivar achando que esse mal do espírito acontece só com os outros, nos quais costumamos vê-la de forma mais clara, pare um pouco para examinar o seu comportamento. Um pouco mais de comida, um pouco mais de atenção, um pouco mais de afeto e logo reconhecemos a ganância também em nossas atitudes costumeiras.
A carência difere da ganância porque a primeira é uma fome e a segunda uma grande fome. É apenas uma questão de magnitude. Ambas possuem o mesmo efeito: o de fazer com que a gente se sinta incompleto, com a sensação de que sempre nos falta algo.
A armadilha da carência, que aos poucos nos leva à ganância, está aí: a de nos sentirmos completos enquanto saciados até nos sentirmos incompletos novamente e aí vamos aumentando a dose, no afã de constituir um estoque que possa nos suprir por mais tempo. Mas ambas, a carência e a ganância, são insaciáveis, um sofrimento sem fim logo após a efêmera satisfação.
A farta – o outro lado da falta, ou da carência – é um desvio consciente dessa terrível armadilha, que nos vitima. Tem o poder de colocar a nossa atenção na contribuição (“o que eu posso oferecer”) ao invés da extração (“o que e de quanto eu preciso me abastecer”). E, diferentemente da impressão de incompletude, no caso da farta nós nos sentimos inacabados, com a saudável necessidade de buscar mais conhecimentos, habilidades e comportamentos para tornar mais robustas as nossas contribuições.
A sutil diferença de desviar a seta da ganância do “mais para mim” e direcioná-la para “mais aos outros” pode mudar o curso de uma vida.