“Só dessa vez”, é assim que tudo começa. E é fácil justificar um desvio, em algumas circunstâncias. O problema é que abre uma pequena fenda na rocha sólida, que jamais será a mesma. Perde a firmeza original, a integridade.
Aposto que foi assim com alguns profissionais da política, ambiente maculado por grande número de fraudes e corrupção. A princípio e talvez até antes de ingressarem na vida pública é bem possível que não tivessem tal intenção.
O “só dessa vez” faz parte de uma segunda intenção, um desvio da primeira. A seguir, mais um pequeno deslize aqui, outro ali, aparentemente inofensivos. Depois a coisa evolui para “dessa vez, vai ser a última”. E a fenda se abre outro pouco. A rocha, trincada, perde mais consistência. É possível que a vontade seja de parar, mas a greta equivale ao coração rompido (daí a palavra corrupto).
A rocha fendida é a metáfora do coração rompido, ou da consciência abalada e que, sem firmeza, debate-se entre duas intenções: as primeiras e as segundas. Oscilando de lá para cá e de cá para lá, aos poucos se desfigura.
“Quem é esse que está agindo assim? Será uma parte de mim? Será, mesmo, que sou eu?”
Essas são as dúvidas da consciência vacilante, que ainda não encontrou a sua verdadeira essência. A identidade, dona das segundas intenções resultantes da ruptura na consciência, prevalece sobre a essência, autora das primeiras intenções.
Quando se abre uma brecha na consciência, o olhar nunca mais será o mesmo. Impossível fitar os demais de maneira confiante. Perde-se, inapelavelmente, a ingenuidade e a pureza. Perde-se a criança interior.
O maior castigo para o corrupto não é a devolução do montante saqueado nem a indenização moral dos que foram prejudicados, tampouco prisões ou tornozeleiras. O maior castigo do corrupto é conviver para sempre com a desconfiança, o paraíso perdido, o próprio inferno na terra.
Dessa justiça, ninguém escapa!
Bacana, Roberto! Essa mesma consciência que lembra ” o morcego ” do poema de Augusto dos Anjos! Está grudado em nós, só que como reflexão poética, diferente da possibilidade real, aí sim cruel e maléfica! Parabéns! Abraço
Guego
Depois me passe o nome desse poema de Augusto dos Anjos.
Abraço