Primeiro a obrigação, depois a devoção. A frase demonstra uma filosofia rigorosamente exigente, em que o trabalho deve ter primazia sobre o lazer, afastando o ócio o mais distante possível para que não aplaque as boas virtudes da lida.
Acontece, no entanto, que entre uma e outra, existe uma terceira palavra: tentação. Seu papel é tentar – desculpe a redundância -, desviar-nos do rumo certo. Está sempre à espreita, buscando fazer a sua parte, qual seja, a de colocar a obrigação em segundo plano, deixando a devoção em primeiro. Nem sempre, porém, a tentação travestida de devoção é saudável ou recomendável.
Exemplo simples: retornei da cidade de Gramado, reconhecida por seus deliciosos chocolates. Trouxe algumas trufas e bombons. É sabido o melhor é se conter diante de tal guloseima. No entanto, deixei-os guardados adivinhe onde? No próprio escritório em que trabalho. E, agora, enquanto escrevo, minha atenção se divide entre o texto e a caixa de delícias. A obrigação ordena que eu siga firme e concentrado na escrita; a tentação diz que eu mereço uma pausa e um momento de devoção, degustando o que me atrai.
O leitor ou a leitora, cúmplices da tentação, poderiam dizer: “qual é o problema de uma pequena pausa para desfrutar uma simples trufa de chocolate recheada de caramelo? ”. A força da tentação é que nunca está sozinha. Tem sempre os seus aliados.
Tentação é isso: algo que lhe tira do eixo, coloca você fora do seu centro, roubando-lhe o tempo e o rumo. Diante dela e seus asseclas, a vontade pode não dar conta. Mais que vontade, é preciso força de vontade. Manter-se no eixo, no centro e no rumo certo sempre será um desafio impertinente a exigir disciplina.
Penso que todos temos uma visão positiva de nós mesmos e nos sentimos fortemente capazes de nos conter diante das tentações que são muitas. Dei um exemplo bem simples, mas existem tantas outras mais vorazes, como a própria internet, as bebidas e comidas, sem falar em alternativas gravemente viciantes.
“Pois não faço o bem que quero, mas justamente o mal que não quero”, dizia Paulo Apóstolo. São muitos os escorregões e, claro, sempre podemos fazer a conversão, retornar ao eixo e recuperar a centralidade. É o que devemos fazer antes que a conversão se torne demasiadamente difícil e mesmo quase impossível, a exigir ainda mais força de vontade, muito além daquela que sucumbiu à sedução da tentação.
No caso da caixa de chocolates, a solução é corriqueira: mantê-la o mais distante possível dos olhos e do acesso. A solução, embora ingênua, vale para todas as outras tentações, ou seja, quanto mais distantes e inacessíveis, tanto melhor.
Existe outra estratégia, no entanto, e bem combativa. Implica fazer uso das tentações para fortalecer a vontade e a disciplina, lembrando que “disciplina é a atitude de temperança ao adiar a satisfação ao mesmo tempo em que se assume o compromisso consigo”. (fonte: livro Rico de Verdade).
Nesse sentido, bem-vindas as tentações!