Existe o ser e o fazer. O fazer rouba muito a cena, porque passamos quase o tempo todo fazendo algo. Quer deixar algumas pessoas louquinhas da silva? Peça que fiquem quietas, sem fazer nada. Para elas, é algo impossível. Impensável. Mesmo seu tempo de lazer é preenchido por inúmeras ocupações.
Como disse, existe o ser e o fazer. Há quem se preocupe com o aprimoramento técnico, sempre voltado ao fazer e cada vez melhor. Busca-se uma profissão, uma universidade onde se possa aprendê-la, depois um trabalho equivalente e daí constrói-se uma carreira. Não necessariamente uma obra, pois esta não é constituída apenas de conhecimentos técnicos e fazimentos. Busca-se a eficácia, incessantemente. Por trás de tal procura, existem algumas armadilhas: a de se tornar congênere e de competir com outros que almejam a mesma carreira; a de se vangloriar por ter chegado lá e se destacado; a de se diminuir por não atingir a meta, pagando esse deslize com a triste moeda da baixa autoestima e do complexo de rejeição ou inadequação.
Como existe o ser e o fazer, há quem queira mudar o mundo, transformá-lo em um lugar melhor. E está escrito: a messe é grande e os trabalhadores são poucos. Muito há para se fazer. Mas o mundo é efeito. Não há o que consertar nele, sem atuar nas causas dos problemas. E as causas estão nos olhos de quem enxerga o mundo, que não passa de um reflexo desse olhar. E das ações decorrentes dele. O problema é que a educação do olhar não acontece quando estamos o tempo todo fazendo. A educação do olhar é do aprendizado do ser. De quem se preocupa em aprimorar o seu interior e a qualidade das suas percepções, para interagir com o mundo exterior de forma diferente.
Por isso, existe o ser e o fazer. Faz parte da sabedoria que não se ensina nas escolas esse treino do olhar. E é trabalho diário e constante. Não se constrói uma obra apenas fazendo. Uma obra se constrói sendo. O aprendizado do ser precede o aprendizado do fazer. Concentrar-se apenas no aprendizado do fazer é chegar a uma barreira instransponível. É viver como quem escala uma montanha, com a sua fase íngreme, no aclive, e depois a derrocada também íngreme, no declive.
Mas a vida não se resume a um subir para depois descer a montanha. É mais como uma travessia, feita de vários e distintos percursos, per-curso, permeando aprendizados. Quando valorizamos o aprendizado do ser, veremos que podemos nos aprofundar, sempre e cada vez mais. Com a humildade de eternos aprendizes. Aprendendo e aprofundando-se um pouco mais no ser, eleva-se um pouco mais também a qualidade do fazer.
A curiosidade, a escolha e a coragem são as guias para que o aprendizado do ser preceda o aprendizado do fazer. Sem esquecer do que Guimarães Rosa já nos dizia nas veredas dos grandes sertões: “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.