Favor não alimentar as focas

A era industrial foi marcada pela incansável busca de produtividade. Mecanismos de pressão e controle funcionavam favoravelmente, ainda que gerassem grandes insatisfações no trabalho.

Foi assim. E se você acredita que ainda é assim, não leve a mal, mas você parou no tempo. Essa história tem cem anos e, enquanto ela se perpetua em muitas empresas, outras percebem que as melhores oportunidades não estão nas condições internas de trabalho voltadas prioritariamente a fazer mais com menos.

Descobrem, então, a existência de um novo insumo para geração de resultados: as ideias. São elas capazes de criar novos mercados, novos produtos e serviços, novas abordagens e processos. São decorrentes de um exercício fundamental, o da criatividade.

Mas, onde está a criatividade?

 

Não sei qual a sua resposta, mas se acompanhar a tendência que observo nos líderes organizacionais, posso afirmar que menos de 1/3 afirma ter criatividade e também que o índice despenca quando avalia o potencial de suas equipes.

Tal resultado é compreensível. Afinal, os mecanismos geradores de produtividade funcionam no sentido contrário ao da criatividade. Por quê?

Alguém já viu o espetáculo que as focas amestradas, que vivem em aquários para divertir visitantes, oferecem quando são alimentadas? Cada peixe depositado na boca de uma foca faminta fará com que ela faça praticamente qualquer coisa para manter o fornecimento. Os alimentadores dos animais, em verdade treinadores, são extremamente eficazes na utilização de estímulos, para obter comportamentos desejados – nesse caso, dos peixes. Espetáculos dessa natureza parecem comprovar o poder das recompensas como uma excepcional técnica motivacional.

A Tática da Foca parte de um princípio simplório: recompense o comportamento desejado e a probabilidade de que esse comportamento se repita também aumentará. Os estímulos realmente funcionam, nesse sentido, mas somente quando e enquanto houver recompensas.

Na empresa, funciona mais ou menos assim: os líderes esperam que os comportamentos desejados continuem, mesmo quando eles não joguem mais peixes.

Os tempos mudaram, mas a tática continua a mesma. Aí está o x da questão: os peixes que garantiam saltos produtivos são incapazes de proporcionar saltos criativos. Veja, por seus respectivos nomes (sem subterfúgios ou máscaras), como são capazes desse feito.

Ameaças

A ameaça não pretende punir, mas sim estimular as pessoas a fazer algo para evitar punições. Apresenta-se na forma de vigilância ou controle e está presente no ambiente de trabalho em formas muito sutis.

Julgamentos

Ideias afloram apenas em ambientes de compreensão e aceitação. Nesse sentido, e por mais que se evite, a tradicional avaliação de desempenho remete a um julgamento, que conduz em direção diametralmente oposta à da criatividade.

Recompensas

Uso excessivo de prêmios, como medalhas, canetas e bônus, para estimular comportamentos considerados “adequados”, não funciona para as ideias. Isso porque as pessoas acabam por dividir suas atenções entre o ato de criação e a recompensa.

Competição

Sugere a escassez, pois oferece um único primeiro lugar no pódio, para a criatura que vence as demais. Destrói qualquer espírito de equipe. Ideias não gostam da escassez, só proliferam na abundância.

Pressão e controle excessivo

Vários estudos já confirmaram que o desempenho de qualquer atividade que requeira profundidade, concentração, intuição ou criatividade pode ser prejudicado quando a estratégia motivacional é baseada em controles. Portanto, forçar a barra, colocando as pessoas à prova, em desafios que estão muito além de suas aptidões, também é uma forma de afugentar as idéias.

Se você pensa que tem muito a fazer para instalar a criatividade na sua empresa, saiba que não. As mentes criativas já estão por lá, ávidas para se apresentar, caso o ambiente esteja aberto para sua essa prática. E aí está seu papel: desaprender a Tática da Foca! Sem ela, surgirá uma nova vida, fertilíssima de ideias. Divirta-se!

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