Costumava desenhar um círculo com uma pequena parte vazada e daí fazia a pergunta: o que vocês veem?
Embora de menor tamanho, a parte vazada era o que prendia a atenção dos participantes. Flagrava, assim, o olhar automático para a falta, desdenhando toda a parte preenchida, que compunha o círculo quase completo. Minha tentativa, com isso, era a de mostrar aos participantes o viés voltado para o negativo em nosso sistema perceptor.
Existe, sim, e pode ser confirmado nas conversas superficiais do dia a dia: “puxa! Como está calor”, “acho que vai esfriar e não me preveni”, “chi, vai chover” etc. etc. etc. Diante de qualquer coisa que escape ao controle ou às expectativas, eis o frágil bom humor se esvaindo, mesmo em um dia aparentemente tranquilo.
É uma filosofia de vida compreender que não estamos no controle de nada e devemos aceitar com positividade o que se apresenta. É também uma filosofia de vida seguir o fluxo com otimismo e o que ele nos oferece. Outra filosofia de vida é baixar as expectativas, pois delas se originam as inevitáveis frustrações que fulminam o bom humor.
Filosofia, no entanto, só é útil caso inspire práticas. Uma delas é o exercício do olhar apreciativo, que busca a farta, mesmo diante da falta.
Escher é um artista com o qual me deparo, vez por outra, ao ver alguma de suas obras. Esse é um bom exemplo do que estamos tratando aqui: o barro, a lama amassada com as marcas de pneus e as solas de sapatos, no meio uma poça d´água, ao mesmo tempo em que, na água, se reflete a copa de uma árvore, o céu, a lua cheia. Os opostos que se unem em uma mesma imagem. O belo inserido no feio.
Olhares depreciativos vão se voltar para o barro, a lama, as marcas dos pneus e das solas dos sapatos. Assim como no exercício simples da circunferência, já fiz o teste mostrando a imagem do Escher. Alguns não se dão conta da copa da árvore, do céu, da lua cheia. É o que conseguem ver de imediato.
Importante ressaltar que o olhar apreciativo não é um olhar poliana, aquele que busca isolar o belo como se só ele existisse de verdade. Seria como enxergar apenas a copa da árvore, o céu e a lua cheia, fazendo de conta que o resto não existe.
Buscar o positivo não significa ignorar o negativo. A prática do olhar apreciativo, que favorece a farta, é a de não nos deixarmos tragar pelo negativo e por sua força de arrastar consigo o bom humor, a alegria de viver e o desfrute do dia, mesmo diante dos pequenos momentos fortuitos que as horas nos oferecem.
Questão de filosofia de vida!