De vinhos e garrafas

Se estivesse doente, você tomaria um remédio eficaz, mesmo com 20% de chance de causar efeitos colaterais sérios ou preferiria outro, com 80% de chance de não provocar efeitos colaterais?

Se a segunda opção lhe agradou mais, saiba que não existe diferença entre uma e outra. É só uma questão de como a informação é apresentada.

Nesse sentido, números podem ser enganosos, basta refletir um pouco. Ainda assim, aposta-se mais nas informações do que nas percepções, por acreditar na máxima de que os números não mentem. Será? Delfim Neto dizia que basta torturá-los para que eles entreguem o que se queira.

Informações, a partir de números, podem ser tão falhas quanto as percepções. Ainda assim, penso que as percepções levam algumas vantagens. Explico.

Números, medições e sistemas traduzem os fatos, mas não toda a experiência. Ou seja, é mais fácil contar garrafas do que descrever o vinho. Por isso tem tanta gente contando garrafas nas empresas e poucas compreendendo sobre a satisfação proporcionada pelo vinho.

Para descrevê-lo, é preciso contar com a percepção dos bebedores durante a experiência de desfrutá-lo. E, embora gostos e paladares sejam subjetivos, aí residem informações que podem ter maior valia do que apenas a objetividade de contabilizar garrafas.

A experiência vai além dos fatos. Trata, também, da versão dos fatos. Se quisermos compreender a realidade, vai ser preciso conhecer ambos. Os fatos – os números ajudam muito, aqui – constituem apenas uma parte da história. Já a versão dos fatos é a outra parte, que só se conhece trocando percepções com quem viveu a experiência.

O cenário é muito conhecido: planilha com números projetada em uma tela diante de uma plateia sonolenta regada a café. O assunto não poderia ser mais entediante: as garrafas. Quantas foram compradas, quantas em estoque, quantas foram vendidas, quantas faturadas, quantas estão na expedição etc. Sabe-se muito do quanto, mas pouco do quem. Sabe-se muito de garrafas, mas pouco ou mesmo nada sobre a experiência com o vinho.

Garrafas compõem o capital financeiro. A experiência com o vinho faz parte do capital relacional. A economia normal se limita às garrafas. A economia ao natural avança para a experiência. Informações e percepções juntas.

Não por acaso, o tema instigante vem aí, no próximo livro.

Tim-tim!

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