Burn out na terra de Macunaíma

De vez em quando, surge uma nova palavra ou expressão até mesmo em outra língua, nos ambientes organizacionais. A mais recente mereceu capa de revista. A Exame dessa quinzena ostenta a explosão burn out na capa escura. Não bastasse a imagem de impacto, acrescenta: “O esgotamento pelo trabalho é o tema de gestão de pessoas mais quente de 2020.” E continua: “Os excessos trazem perdas econômicas e sociais – e não podem mais ser ignorados.”

O espantoso na matéria é ver o Brasil como o país mais estressado da América Latina e o segundo do mundo, na frente da China e dos Estados Unidos, perdendo apenas para o Japão.

Onde foi parar Macunaíma? Cadê o Jeca Tatu, o personagem preguiçoso de Monteiro Lobato? Será que nos modernizamos tanto assim? Finalmente, o progresso! Mas sem a ordem? Tudo parece indicar que, da falta para o excesso, perdemos a justa medida.

Com estatísticas e depoimentos, a matéria apresenta atenuantes como massagem, suporte telefônico para problemas relacionados a saúde mental, sala de descompressão, meditação e mindfulness, psicólogos e coaching de saúde. O texto cita os acessórios, mas esquece o essencial.

Quem ao menos rodeia o essencial é o professor de Stanford, Jeffrey Pfeffer, quando sugere “um redesenho do modelo de trabalho atualmente em vigor”. Embora ele não cite, tal redesenho deveria incluir três componentes essenciais para a saúde mental dos integrantes de uma empresa: significado, relacionamento e liderança.

Para compreender o significado como componente essencial de saúde mental, recorro à citação do livro Recordações  da casa dos mortos, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, ao descrever a vida de prisioneiros na Sibéria.

Descobriram um trabalho capaz de enlouquecer os detentos. A ideia diabólica consistia em construir duas piscinas, uma cheia d’água, outra vazia. O trabalho dos prisioneiros seria transferir com baldes a água da primeira piscina para a segunda. No dia seguinte, transfeririam a água da segunda piscina para a primeira. No terceiro dia, transfeririam a água da primeira piscina para a segunda. E assim por diante. Não era um trabalho excessivamente árduo: carregar baldes de água. Por dez anos, por trinta anos, pelo resto da vida. Sempre uma piscina era cheia e outra estaria vazia. Também não era o trabalho forçado que os enlouqueceriam, mas a falta de significado no trabalho. 

O exemplo pode parecer exagerado, mas não é irreal. Para quem tem de fazê-los, muitos trabalhos são como transferir água de uma piscina à outra, sem nenhum sentido. 

Existe significado quando existe um propósito. Sem ambos, massagens e apoios psicológicos pouco (ou mesmo nada) adiantam. Significado é um componente essencial para a saúde, tanto mental como espiritual.

O outro antídoto importante é o relacionamento. Cada vez mais as pessoas vivem o isolamento, mesmo quando estão ao lado das outras. Até os diálogos com os mais próximos acontecem por meio da nova linguagem da internet, sem real interação. 

Precisamos nos lembrar de que a vocação do ser humano é, justamente, ser humano. Para que se cumpra, depende de  empresas humanas, ou seja, com alma, onde as pessoas trabalham para viver, não vivam para morrer, e onde existe tempo e espaço para relações humanas autênticas e diálogos de qualidade.

Finalmente, o terceiro componente, a liderança. Um grande causador da síndrome do burn out (segundo a matéria, em 2022 será incluída no rol da Classificação Internacional de Doenças) é o medo: do desemprego, de ficar sem trabalho, de ser retaliado por não atingir as metas ou não conseguir a promoção esperada. É aí que a liderança faz toda a diferença. Diante de tantas ameaças, procura-se um líder que alimente a esperança, afaste o medo, aguce a curiosidade, lance desafios na justa medida, inspire confiança e ofereça sentido e significado aos integrantes de sua equipe.

Significado, relacionamento e liderança: bem-vinda a Nova Economia, que cultiva a vida e, sim, vida em abundância!

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