É possível que passemos por ela todos os dias, sem nos darmos conta. Afinal, quem tem tempo para admirá-la? Trocamos de calendário há pouco, e o que mais se escuta é: “o tempo não para de passar”. Não é o tempo que passa, mas sim nós que passamos por ele, apressados e desatentos. Nesse frenesi mais de existir do que de viver, quando teremos tempo para a beleza?
Há alguns anos, um violinista deu um concerto numa estação de metrô, em Washington. Encostado na parede, perto de um cesto de lixo, durante quase uma hora, ele tocou obras de Schubert, entre outros clássicos. Enquanto tocava seu instrumento, mais de mil pessoas passaram sem reduzir o passo. Houve algumas exceções, claro, mas sempre por breves lapsos. Algumas crianças insistiram em permanecer ali, ouvindo, mas foram arrastadas pelas mães. No final, sequer houve aplausos.
Ninguém sabia que se tratava de Joshua Bell, um dos virtuoses mais cotados e admirados do mundo, solista da Orquestra de Filadélfia e com várias apresentações no Carnegie Hall a preço de ouro.
Quem tem tempo para a beleza? À primeira, segue-se outra pergunta: quem tem olhos ou ouvidos para a beleza?
Duas apresentações aconteceram, certa noite, em uma sala de concertos de uma outra cidade dos Estados Unidos. O programa da primeira indicava uma peça do imortal Beethoven. O da segunda, uma obra tão desconhecida como o seu compositor. Terminada a primeira, o público aplaudiu de pé e com tamanha insistência que o regente retornou para agradecer várias vezes, dividindo as aclamações com seus músicos. Poucos permaneceram para acompanhar a segunda parte que, uma vez finda, mereceu parcos aplausos.
O público não sabia, porém, que houve uma inversão. A princípio foi tocada a obra do desconhecido e, só depois, a de Beethoven. É possível, portanto, que ambas fossem igualmente revestidas de imensa beleza, fato que nos leva a propor uma questão: de que olhos e ouvidos fazemos uso para captar a beleza que nos circunda? Somos educados para reconhecer a beleza quando estamos diante dela? É bem possível, ao contrário, que passemos por ela diariamente sem percebê-la. A pressa e a ausência de sentidos nos deixam anestesiados diante das maravilhas oferecidas pela beleza e do colorido que ela oferece às nossas vidas.
Para quem quiser viver um ano peregrino, proponho um desafio: o de arranjar tempo, olhos e ouvidos para beleza! Que tal?