Trocando as bolas

Fácil, fácil, e a gente troca os fins pelos meios. Ou os meios pelos fins, o que dá na mesma.

É assim: você acredita na bondade e pensa na filantropia como um meio. Logo as coisas mudam de lugar e a bondade se transforma em meio para promover a filantropia. E fica faltando um tiquinho para se esquecer da bondade, tendo a filantropia como fim e uma porção de burocracia ao redor. Constate a origem de tantas entidades filantrópicas, para resgatar quais eram as suas primeiras intenções, e veja agora a que estão reduzidas.

Trocar os fins pelos meios é um equívoco bastante comum. Acontece o mesmo com a política. Duvida? Política é a arte ou ciência da organização, direção e administração da pólis, ou seja, a cidade, literalmente, o estado ou a nação.  Um meio, portanto, para construir uma sociedade mais justa. Pois veja no que ela se transformou. Em um fim e em profissão para muitos corruptos.

Existem os fins e os meios e cada um devia ficar em seu devido lugar da mesma forma que o calor é consequência, e não causa, do fogo. Também na arte acontece a troca infeliz. Ela existe para elevar a alma, para nos trazer momentos de inspiração, para que façamos contato com algo interno que parece estar fora de nós. Pois bem, transformou-se em incentivo fiscal. A finalidade é pagar menos imposto de renda. Os meios no lugar dos fins mais uma vez e as almas continuam no marasmo.

Outro exemplo é o trabalho. Deveria ser um meio de gerar riquezas. Para muitos, tornou-se um fim. Feito de sangue, suor e lágrimas. Ao final, sem nenhuma riqueza. Apenas a lida. Alguns chegam a viciar e não conseguem viver sem ele. Trabalho é meio para gerar riquezas materiais, emocionais, espirituais. Para crescer e fazer crescer.

Outra armadilha comum é o dinheiro. Criado para ser meio, transformou-se em fim. E corre-se atrás dele como se fosse a única coisa a ser feita na vida. O dinheiro gerou uma nova escravidão.

Muitas empresas também esqueceram os seus fins, de gerar riquezas e de colocar-se a serviço, e transformaram-se em meios burocráticos de contabilizar ganhos e custos e recolher impostos. Nada além de uma triste planilha.

Então, existem os meios e os fins. Mas de todas as distorções, nenhuma é maior do que aquela que transforma sujeitos em objetos. Vale lembrar o grande filósofo Immanuel Kant: “a fonte da integridade é nunca fazer do outro um meio”.

Pois esse, “fazer do outro um meio”, é o pecado maior da humanidade. Que também é um fim em si, tendo a economia como meio. Ou será que também aqui trocaram as bolas?

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Matheus Bedoni
Matheus Bedoni
8 anos atrás

Ótimo artigo, Roberto!
Há um ano atrás li seu livro “Metanóia”. Muito bom… Recomendo a todos!

Abraços

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