Crise de quê?

Artigo publicado na Revista Empreendedor
Julho/2015

Imagine uma mesa posta, onde há pratos de vários tipos, seja para degustação em grupo ou especiais para determinadas dietas. Certas comidas são calóricas, mas existem também dietéticas. Algumas doces, outras salgadas, sem faltar as agridoces e as apimentadas. Para todos os paladares e necessidades.

Como acontece em qualquer banquete, cada um dos convidados se aproxima, disposto a servir-se. Claro, tanto os pratos, como o apetite, o paladar e os estômagos são diferentes. De comum a todos, só mesmo a vontade de matar a fome, no entanto com distintas intensidades e preferências.  Por isso, as pessoas escolhem determinados alimentos e evitam outros. Quando se deseja muito algum deles, os olhos nem conseguem enxergar alternativas.

Há quem se sirva apenas do que já conhece, para evitar qualquer estranheza ao paladar. A tendência é por sabores dos quais se tem alguma referência. Outros ousam aventurar-se, arriscando provar algo mais exótico. Cada qual busca o que melhor lhe apetece, o que alivia a sua fome, agrada o seu paladar e satisfaz o seu estômago. Ao mesmo tempo, evita o que imagina possa lhe causar enjoos ou mal-estar. Nem todos aceitam bem tudo o que é oferecido.

A atitude individual também é diferente, diante da mesma oferta. Alguns, famintos, avançarão avidamente sobre a mesa tentando comer o máximo de tudo, para depois sofrer com a azia e má digestão. Outros ficarão administrando seus apetites, enquanto espiam de soslaio para tudo o que está servido. Então, para aproveitar ao máximo um banquete, é preciso ter outros tipos de fome, não apenas a fisiológica.

 

O banquete como metáfora

 

A mesa posta é uma metáfora para representar o mercado. Os movimentos dos agentes ao redor desse banquete representam a economia. Visto dessa maneira, o mercado é o que é e o que sempre foi: uma mesa posta. Sempre está disponível para os vários tipos de fomes, cardápios, paladares. Está ali para todos, mas cada um fará a sua refeição de maneira diferente, portanto, com intenções e resultados distintos.

Cada um é livre para viver a sua própria experiência e tirar o máximo proveito dela, dadas as circunstâncias, que têm a ver com o tamanho da fome, do prato, do paladar, do estômago etc. Diante do mercado posto, cada um faz a sua escolha como melhor lhe aprouver.

A crise econômica é, a princípio, uma crise de expectativas. Muitos, na certeza de que outros agentes ao redor da mesa não a acessariam, resolvem, também por conta, seguir a dieta tácita. Afinal, as pessoas constroem seus cardápios conforme suas necessidades e agem, na festa que é de todos, a partir de seu estado de espírito. Servir-se farta ou parcimoniosamente ou mesmo abster-se não depende  da mesa nem do mercado. O movimento que representa a economia depende mais da confiança e da coragem de seus agentes do que qualquer outra coisa.

Como mesa posta, o mercado e a economia não estão atrelados à fome de cada um dos agentes. Existem para que a fome individual esteja ligada a algo maior dentro de cada um de nós e que contribua para algo maior fora de de nós. Tudo isso para dizer que a mesa está sempre posta, não tem crise nem tampouco da economia. O que existe é outro tipo de crise.

O que falta, de fato

 

Antes que você discorde, deixe-me oferecer um exemplo bastante comum. Muitos negócios tiveram a sua origem na busca pelo sustento de alguém ou de alguma família. O sustento era, então, a fome que motivava acessar a mesa posta, o mercado. E, assim como um agente esfomeado, o negócio prosseguiu e a economia se movimentou.

Mais tarde, o negócio tomou a forma de uma empresa. A fome que, na origem, era orientada para resolver o problema do sustento, agora busca resolver o da sobrevivência. Mas, na verdade, nada mudou. A base do sustento e da sobrevivência é a mesma, o que muda é a extensão: antes para uma pessoa ou família, agora para a viabilização econômica e financeira de uma organização. No fundo, a mesa é acessada pelo mesmo tipo de fome, ou seja, “algo que resolva o meu problema”.

Com o sustento e a sobrevivência teoricamente resolvidos, o problema se transfere para outro tipo de fome: a do crescimento. Antes, sustentar-se, depois, sobreviver, agora, crescer. Se pensarmos bem, ainda assim nada mudou. A fome segue a mesma linhagem e crescer faz com que a mesa  posta seja acessada com a mesma vontade ou voracidade de quando a fome era pelo sustento ou sobrevivência. Crescer, para não precisar sobreviver; ou crescer, para não retornar aos árduos tempos do sustento. Enfim, ainda “algo que resolva o meu problema”.

Como sempre tem um porém, crescer é um propósito para quem não tem propósito. Pois quando os agentes não acessam a mesa posta e a economia diminui o ritmo, aquilo que se acreditava ser um propósito desmancha como espuma. Sem a possibilidade de crescimento, resta um vazio no lugar onde haveria um propósito. Por isso, crise econômica é, no fundo, uma crise de propósito.

Onde mora o desejo

 

Sustento, sobrevivência e crescimento são fomes vulneráveis. Abalam-se tão logo algo haja algum risco de que sejam impedidos de acontecer. Diante da ameaça, com facilidade o medo toma o lugar desse desejo, que, por natureza, já é de baixa potência. Não está voltado para algo ou alguém, apenas para interesses próprios. Acessar a mesa simplesmente para servir-se. Nada além.

A mesa e o mercado – continua posta, como sempre esteve e sempre estará. E de acesso livre para aqueles que são impulsionados por um verdadeiro desejo. E o que é um verdadeiro desejo? É aquele que o medo não dá conta de abalar. É como uma casa construída solidamente sobre uma rocha: não há vento ou tempestade capaz de derrubá-la. É feito de valores virtuosos voltados ao interesse comum. Tem a ver com servir.

Desejos de servir são sentidos, admirados e apoiados por vários agentes que se sentem encorajados a acessar a mesa posta: colaboradores, clientes, fornecedores, investidores. Para esses, não existe tempo ruim. Nada nem ninguém é capaz de contê-los. São movidos pelo que compreendem ser um verdadeiro propósito.

Lembre-se: a mesa está posta, mas a qualidade da fome e o impulso são por sua conta. Qual é mesmo o seu propósito?


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