De turistas e peregrinos

Fiz viagens turísticas e peregrinações. Ambas diferem muito entre si. Nas primeiras, pisa-se ligeiro sobre a terra, pouco se sente o chão, o ar, o povo. São passos apressados, fazendo com que o olhar apenas resvale sobre os ambientes. Mais é mais. Há quem só observe o entorno por meio das lentes de suas máquinas fotográficas. Nada de sensações, aromas, descobertas.

Nas peregrinações, ao contrário, a gente caminha com vagar, apreciando e contemplando tudo e todos ao redor. O olhar paira sobre os lugares, deixando que os sentidos façam contato com o cenário e sua história. Menos é mais.

Viajamos, geralmente, para recantos por onde outros já passaram. Queremos, de alguma forma, reviver e reavivar o que aconteceu ali. Recentemente, viajei para a Europa Central. Os antecedentes são reis e rainhas, imperadores e imperatrizes, príncipes e princesas, condes e condessas. Passamos por Ludowig, Francisco José e Maria Tereza, Eugênio, Estevão, Carlos e Augusto. Todos eles tinham algo em comum: a megalomania.

O rei Ludowig II não se contentava com um castelo: tinha três. Um deles só mereceu uma visita. Francisco José tinha palácios em vários lugares. Alguns eram considerados casas de campo ou de veraneio. O príncipe Eugenio preferia que sua residência mais suntuosa fosse reservada a festas, preferindo morar de fato na edícula construída nos fundos, mas com proporções bem semelhantes às da principal.

Por mais que os turistas tentem acomodar palácios e castelos em seus restritos enquadramentos fotográficos, sempre falham, tamanhas são as dimensões desses edifícios majestosos. De todos os nobres, o mais excêntrico foi o príncipe Augusto da Saxônia, que ofertou um palácio inteiro à sua amante, a condessa Anna Constantina. Em troca, a fez prisioneira por 49 anos. Mesmo assim, turistas do sexo feminino suspiram encantadas considerando a “boa” sorte da enclausurada.

Nas peregrinações, seguimos outras pegadas. Estive na Terra Santa e não localizei a casa de Jesus. Andei pela Grécia e nas paisagens da Turquia e não avistei onde João e Paulo haviam morado. Em Assis, na Itália, só localizei praça central onde Francisco se desnudou.

Comparados aos nobres e aos heróis combativos, os santos não deixaram nada de concreto. Somente suas auras continuam vivas e presentes, mas, ao contrário dos palácios e castelos, não ruíram com as guerras, como aconteceu com muitos deles.

Mesmo que seja impossível registrá-lo por meio das máquinas fotográficas, o bom Espírito continua vivo, do começo ao fim, atravessando eras, sempre acessível aos verdadeiros peregrinos. A delicada conclusão vale para todo o tipo de viagem, seja de âmbito geográfico ou, em amplo espectro, a que fazemos na jornada da vida. Cabe a cada um de nós a decisão de vivê-la como turista ou peregrino.

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